O agronegócio brasileiro precisou lidar com problemas de safra causados pelas condições climáticas (Alexis Prappas/Exame)
Jonalista colaborador
Publicado em 25 de setembro de 2025 às 22h00.
Em 52 anos de história, as empresas que participaram do Ranking EXAME MELHORES E MAIORES enfrentaram momentos de crise, de euforia — e de todas as gradações possíveis entre uma coisa e outra. Não há dúvida: os melhores anos para os negócios costumam ser impulsionados pela combinação de ventos favoráveis no Brasil e no exterior. Quanto menor a ajuda de algum desses fatores — ou de ambos —, maior o esforço que as empresas têm de fazer para chegar a um resultado satisfatório.
O ano de 2024 foi justamente um desses períodos em que as empresas precisaram se desdobrar e contar mais consigo mesmas do que com uma forcinha do ambiente. “Foi um ano difícil para diversos setores, com inflação em alta no Brasil, taxa de câmbio valorizada e juros elevados”, diz Samuel de Jesus Monteiro de Barros, pró-reitor do Ibmec no Rio de Janeiro e coordenador técnico do MELHORES E MAIORES. “Não tinha como ser um ano excelente, considerando todos esses fatores.”
A aprovação do Marco do Saneamento, em 2020, ajudou a destravar os projetos de investimento no setor (Aegea/Divulgação)
Mesmo assim, há motivos para celebrar. As 1.000 companhias do Ranking MELHORES E MAIORES fizeram bonito, fechando o ano com receitas líquidas de 9,7 trilhões de reais no seu conjunto, um crescimento de 7,9% sobre 2023. Foi mais do que o dobro da expansão de 3,4% do PIB brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dos 22 setores que dividem as empresas do ranking, apenas três tiveram queda nas receitas líquidas: Agronegócio (-9,15%); Siderurgia, Mineração e Metalurgia (-0,69%); e Petróleo e Químico (-0,20%). Todos os demais cresceram acima dos 3,4% de expansão do PIB, ou pelo menos a uma taxa muito próxima disso. “Os setores cujas receitas líquidas caíram tiveram dificuldades devido ao câmbio, pelo menos em parte”, diz Barros. “Além disso, o agronegócio também precisou lidar com problemas de safra causados pelas condições climáticas.”
Apenas três setores do Ranking MELHORES E MAIORES 2025 tiveram queda na comparação com 2023, e Siderurgia, Mineração e Metalurgia foi um deles (Germano Lüders/Exame)
Existem limitações para comparar o desempenho geral das empresas de uma edição para outra do ranking — a começar pela composição das 1.000 empresas, que naturalmente muda de um ano para o outro. Ainda assim, é possível afirmar que o desempenho deste ano, que corresponde aos resultados de 2024, é melhor do que o da edição do ano passado, quando praticamente um terço dos setores viu suas receitas líquidas caírem ou então crescerem menos do que o PIB, que avançou 3% em 2023. Os resultados de agora ainda são, no entanto, menos positivos do que os do ranking publicado em 2023, quando somente um dos 22 setores teve queda nas receitas — todos os demais cresceram a taxas bastante superiores à expansão de 2,9% do PIB em 2022.
Desse ponto de vista, as empresas desta edição de MELHORES E MAIORES conseguiram correr atrás e vencer as dificuldades. Não dá para dizer o mesmo da rentabilidade. O lucro líquido geral caiu 9,3%, passando de 806,6 bilhões para 731,0 bilhões de reais de 2023 para 2024. Em oito dos 22 setores os lucros encolheram. A maior redução se deu no setor de Petróleo e Químico, cujos lucros líquidos passaram de 140,7 bilhões de reais em 2023 para 46,5 bilhões de reais no ano passado.
O ponto positivo é que os prejuízos são bem menos frequentes do que os lucros. Das 1.000 empresas, apenas 162 fecharam o ano no vermelho, somando um prejuízo conjunto de 104,8 bilhões de reais. As 838 companhias restantes somaram juntas um lucro de 762,9 bilhões de reais. Entre os dez maiores lucros, seis são de bancos.
Os motivos para esse desempenho relativamente agridoce — receitas crescentes e lucros caindo — estão relacionados tanto ao ambiente doméstico quanto à situação no exterior. Internamente, enfrentamos no ano passado uma inflação difícil de acalmar. O IPCA fechou 2024 em 4,83%, acima do teto da meta estabelecida pelo Banco Central. Mais uma vez, o mercado lidou com incertezas fiscais que contribuíram para manter a taxa de câmbio em alta — o dólar se valorizou 28% de janeiro a dezembro. O ano começou com a expectativa de um alívio nos juros, e o Banco Central chegou a fazer dois cortes no primeiro semestre, levando a taxa Selic de 11,25% para 10,50% ao ano em maio. Só que, dali em diante, a resistência da inflação e o câmbio elevado interromperam esse movimento de queda. “Acrescente a tudo isso as questões climáticas que levaram a quebras de safra no Brasil e um cenário externo marcado por conflitos em várias partes do mundo”, diz Barros.
Regionalmente, São Paulo é o estado mais dominante, com mais da metade das empresas do ranking deste ano: 522 companhias. Em seguida vem o Rio de Janeiro, com 127. Apesar da pequena participação no ranking, os estados do Norte tiveram o maior crescimento de receitas líquidas: 20%, chegando a 45 bilhões de reais no ano passado.
O conflito tarifário de Donald Trump, neste ano, se expandiu para além da China (Fred Dufour/AFP/Getty Images)
Um dos setores que mais tiveram de remar contra a corrente foi o de Agronegócio. As empresas desse setor que integram o ranking não chegaram, no seu conjunto, a ficar no prejuízo — mas o lucro líquido delas despencou para 3,1 bilhões de reais, 86% inferior ao de 2023. As receitas líquidas caíram 9,15%, fechando 2024 em 474 bilhões de reais. Um dos fatores que aprofundaram as dificuldades foi a frustração da safra de verão no Centro-Oeste e em parte do Matopiba — a região formada pelo sul dos estados do Maranhão e do Piauí, o oeste da Bahia e Tocantins. Faltou chuva durante parte do desenvolvimento das lavouras de soja colhidas no primeiro semestre do ano passado. Resultado: a produção fechou em 151,3 milhões de toneladas, queda de 7,9 milhões de toneladas sobre a safra anterior, segundo os números da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “As questões climáticas e a quebra de safra pesaram muito para o agronegócio”, diz Barros.
Além disso, os preços dos grãos mantiveram-se durante boa parte do ano passado em patamares mais baixos do que em 2022 e 2023. A inadimplência dos produtores aumentou, prejudicando toda a cadeia produtiva e levando, no ano passado, a 1.272 pedidos de Recuperação Judicial no agronegócio, aumento de 138% sobre 2023, segundo os dados da Serasa Experian.
Alguns setores em particular tiveram motivos para comemorar o ano. É o caso das empresas de Saneamento e Meio Ambiente. A soma de suas receitas lidera o crescimento, com alta de 26% sobre 2023, chegando a 150,6 bilhões de reais. Trata-se de um reflexo do amadurecimento do Marco do Saneamento, aprovado em 2020, que de lá para cá começou a destravar os projetos no setor. Os investimentos em abastecimento de água e saneamento passaram de 18,35 bilhões de reais em 2020 para 25,59 bilhões de reais em 2023, segundo um levantamento do Instituto Trata Brasil com base nos dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), mantido pelo Ministério das Cidades. “O Marco do Saneamento trouxe recursos públicos e privados para investimento para aumentar a cobertura das redes de água e saneamento nas cidades”, afirma Barros.
É uma consequência da entrada da iniciativa privada com mais força no setor. Basta notar o que aconteceu recentemente com algumas das maiores companhias do setor nos últimos anos. A Corsan, concessionária do Rio Grande do Sul, foi privatizada em dezembro de 2022. A paranaense Sanepar leiloou uma série de lotes de Parcerias Público-Privadas (PPPs). E, em julho do ano passado, o estado de São Paulo reduziu sua participação na Sabesp de 50% para 18%. E esses são apenas alguns dos negócios mais vistosos. A empresa de saneamento do estado de São Paulo é a vencedora do MELHORES E MAIORES 2025 (veja reportagem aqui).
Setor de Transportes, Logística e Serviços Logísticos teve crescimento de quase 20% nas receitas, chegando a 443 bilhões de reais (Leandro Fonseca /Exame)
Segundo o estudo do Instituto Trata Brasil, a concessão, a privatização e as PPPs realizadas desde 2020 puseram para andar projetos que somam 370 bilhões de reais em investimentos em água e saneamento. Ainda serão necessários pelo menos mais 450 bilhões de reais para que sejam cumpridas as metas de elevar o abastecimento de água potável dos atuais 83,1% para 99% da população, e de tratamento de esgoto, que hoje atende 55,2% da população, para 90%. “Os investimentos em saneamento ainda precisam aumentar para que as metas sejam alcançadas”, diz Lua-na-- Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil. “Mas os projetos nesse setor têm um ciclo de vida mais longo. Em dois ou três anos, possivelmente teremos um nível de investimentos mais adequado para que o acesso à água e ao saneamento seja universalizado.”
Outro setor de bom desempenho foi o de Transporte, Logística e Serviços Logísticos, com um crescimento de 19,91% nas receitas líquidas, chegando a 442,8 bilhões de reais — é a terceira edição consecutiva em que o setor fica entre as maiores taxas de expansão. O setor de Imobiliário e Construção Civil também chegou a um crescimento de 14% nas receitas.
As condições do mercado contribuíram para uma troca de posição entre os setores líderes em receitas líquidas. Os bancos fecharam o ano passado com receitas de quase 2,1 trilhões de reais, um aumento de 14% em relação a 2023. Esse salto garantiu a liderança do ranking de receitas por setor, desbancando as empresas de Energia, setor que liderou o ranking nos dois anos anteriores — as receitas dessas companhias cresceram apenas 3,96% de 2023 para 2024, fechando a 1,59 trilhão de reais. “Os juros permaneceram altos no ano passado, impulsionando as receitas dos bancos e levando a essa troca de posição entre os setores”, afirma Barros. Os lucros líquidos dos bancos aumentaram 36,7 bilhões de reais de um ano para o outro — o maior crescimento entre todos os setores —, encerrando 2024 em 244,5 bilhões de reais.
Indicadores macroeconômicos como câmbio, juros e inflação não foram, de fato, muito favoráveis. Houve, no entanto, um fator que ajudou a dar impulso para uma parte dos setores. Segundo o IBGE, o nível de desemprego no final do ano passado fechou em 6,6%, o menor da série histórica, iniciada em 2012. O número de pessoas ocupadas, na média do ano, fechou em 103,3 milhões, ante 100,7 milhões em 2023. No ano, a massa salarial dos trabalhadores fechou em 339,5 bilhões de reais, segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad contínua), o que se deve ao aumento do pessoal ocupado e ao ganho real dos rendimentos médios.
Entre as atividades que mais se beneficiaram do bom momento do emprego está a de Atacado e Varejo. As receitas das empresas do setor que estão no ranking cresceram 11%, fechando 2024 em 440,1 bilhões de reais. O principal destaque do setor, porém, foi a forte retomada da rentabilidade: essas companhias saíram de um prejuízo de 285,6 milhões de reais em 2023 para 6,43 bilhões de reais de lucro no ano passado. Esses números refletem o bom desempenho do varejo. Segundo os dados do IBGE, as vendas do setor cresceram 4,7% no ano passado, a maior variação anual desde 2012. Contribuiu para isso o bom momento do mercado de trabalho.
Os resultados do varejo, por sua vez, ajudaram a puxar para cima as empresas de Transporte, Logística e Serviços Logísticos. O crescimento das vendas dos varejistas (incluindo o comércio eletrônico) e da indústria contribuíram para que as empresas do setor que estão no ranking tivessem alta de 20% nas receitas líquidas de 2023 para 2024, chegando a 442,7 bilhões de reais. Esses setores ajudaram a compensar o mau momento do agronegócio. Os gastos com transporte no Brasil fecharam o ano passado em 940 bilhões de reais, aumento de 7% sobre o ano anterior, segundo um estudo do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). Os lucros, porém, ficaram menores. A queda foi de vertiginosos 70%, passando de 11,7 bilhões para 3,7 bilhões de reais. Uma das razões: o aumento nos custos, que chegou a 4,2% no caso do transporte rodoviário, de acordo com o Ilos (cerca de dois terços das cargas transportadas no país ainda transitam pelas rodovias). Tome-se o caso do óleo diesel, por exemplo: os preços médios no Brasil aumentaram de 5,94 reais para 6,13 reais por litro ao longo do ano passado.
Varejo brasileiro se beneficiou do bom momento do emprego (Leandro Fonseca /Exame)
O emprego em alta também explica em parte o crescimento do setor de Educação, cujas receitas líquidas cresceram 9% para as empresas inseridas no Ranking MELHORES E MAIORES. Os lucros passaram de 168,5 milhões de reais para 3,3 bilhões de reais. Em 2024, os balanços das principais empresas do setor — como Cogna, Yduqs, Afya e Ânima — mostram em geral um esforço para expandir as matrículas em cursos mais rentáveis (como os de medicina e saúde) e elevar o valor médio das matrículas. Além disso, boa parte dessas empresas teve ganhos de eficiência que resultaram em margens melhores.
A construção civil é outro exemplo de atividade que se beneficiou do aumento do emprego e da renda. As empresas do setor Imobiliário e Construção Civil que fazem parte do ranking tiveram no ano passado receitas 14% maiores do que em 2023, chegando a 151,9 bilhões de reais. De acordo com o IBGE, o PIB da construção civil cresceu 4,3% no ano passado. Houve crescimento de 20,9% nas vendas de apartamentos novos e de 18,6% nos lançamentos residenciais, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC). As vendas de cimento fecharam o ano com um aumento de 3,9%, chegando a 64,7 milhões de toneladas. Está ocorrendo uma expansão das construções de alto padrão, como mostram os recentes lançamentos de torres com mais de 200 metros de altura na cidade de São Paulo, o que foi favorecido pelas mudanças recentes no plano diretor da cidade. Mas boa parte dos bons resultados do setor em 2024 foi por causa, principalmente, da retomada do programa Minha Casa, Minha Vida — um dos fatores que ajudaram a contrabalançar a influência negativa dos juros altos sobre os negócios do setor.
Eis aí um ponto de atenção para 2025 em diante. No ano passado, houve uma sensível influência do setor público nos resultados dos setores que se saíram bem graças ao alto nível de emprego e ao crescimento dos rendimentos da população. No caso do varejo, as entidades do setor, como a Câmara Nacional do Comércio, trabalham com a expectativa de que esse fator perca força em 2025.
Não é a única notícia preocupante para este ano — e que poderá ter profunda influência nas empresas que neste momento estão batalhando para mostrar resultados no ranking do ano que vem. Muitos dos indicadores que pesaram negativamente em 2024 mantiveram as tendências. É o caso das taxas de juro, que continuaram subindo, chegando a 15% ao ano.
Faria Lima: vários indicadores que impactaram negativamente em 2024 continuaram suas tendências, como as taxas de juro, que atingiram 15% ao ano (Germano Lüders/Exame)
No exterior, as guerras que estavam acontecendo no passado continuam por aí, aumentando a temperatura geopolítica e as ameaças ao crescimento da economia global. A elas, juntou-se um conflito comercial e tarifário posto em andamento pelo presidente americano Donald Trump. Não dá para dizer que foi uma completa surpresa: na campanha eleitoral do ano passado, Trump já prometia reacender as disputas comerciais com a China que ele próprio iniciou durante o primeiro mandato, em 2018. A novidade é que desta vez ele ampliou a frente de combate para praticamente todo o mundo — e até o Brasil está sendo afetado pelo tarifaço dos Estados Unidos, cujas consequências de médio e longo prazo ainda não são completamente conhecidas.
Está sendo mais um ano desafiador — mas, se há uma coisa que esses períodos oferecem, é a oportunidade de pôr os negócios à prova. O que os resultados das 1.000 empresas mostraram mais uma vez em 2024 é que, apesar das turbulências, essas companhias têm força suficiente para superar as dificuldades de cada tempo e seguir adiante.