Tecnologia

Cluely, a startup controversa que ensina a 'trapacear em tudo' com IA

Cluely, a startup que propõe "trapacear" em situações cotidianas com o auxílio de IA, divide opiniões sobre os limites da tecnologia e sua influência na sociedade

Cluely: time de marketing da startup controversa que promete revolucionar o uso de IA. (Cluely/YouTube)

Cluely: time de marketing da startup controversa que promete revolucionar o uso de IA. (Cluely/YouTube)

Estela Marconi
Estela Marconi

Freelancer

Publicado em 24 de junho de 2025 às 13h02.

Uma startup para lá de controversa está sendo o centro de um debate entre ética, privacidade e até onde as inteligências artificiais podem impactar na vida profissional — e pessoal — da população. 

Fundada no início de 2025, a Cluely se vende como uma ferramenta invisível para "trapacear" em entrevistas de emprego e outras situações cotidianas. No manifesto publicado pelo próprio site da startup, uma frase em destaque chama a atenção:

"Nós queremos trapacear (cheat, inglês) em tudo".

Em seguida, o texto explica como e por quê. "Ligações de vendas, reuniões, negociações. Se há um jeito mais rápido de vencer — nós vamos querer".

Início da ideia até o investimento milionário

A ferramenta foi criada por três jovens da Universidade de Columbia: Roy Lee, de 21 anos, seu melhor amigo Neel Shanmugam, também 21, e o colega de quarto Alex Chen, de 27 anos. A proposta do trio é ambiciosa: fazer com que as pessoas nunca mais precisem pensar sozinhas.

Funciona assim: a IA lê e ouve em tempo real o que você consome durante o dia. Com todas as informações e um banco de dados extenso, a ferramenta alimenta suas conversas com respostas em tempo real, auxiliando o pensamento daqueles que aderem ao plano.

A startup de São Francisco anunciou, na última sexta-feira, 20, uma rodada de investimentos de US$ 15 milhões, liderada por Andreessen Horowitz. 

No anúncio, os investidores elogiaram as campanhas da empresa como “baseadas em estratégia deliberada e intencionalidade” — afirmando que elas geraram “notável reconhecimento de marca e espaço na mente do consumidor”. Segundo os investidores, isso se traduziu em “receita significativa com assinaturas de consumidores” para suas ferramentas de produtividade, de acordo com informações da Bloomberg.

Expulsão da universidade e polêmicas 

Embora o sucesso repentino dos desenvolvedores tenha atraído os olhares do mundo tecnológico, o começo da carreira do co-fundador Lee não foi tão positivo. Ele foi expulso da Universidade da Columbia no começo do ano, ao criar uma ferramenta chamada Interview Coder, que ajudava candidatos de vagas técnicas a colar em entrevistas de emprego utilizando inteligência artificial. 

"Eu fui completamente chutado para fora da faculdade. LOL", escreveu o ex-estudante no LinkedIn.

As polêmicas da startup vão além da ética sobre o uso de IA. Agora, os fundadores afirmam que só irão contratar engenheiros que sejam conhecidos no mundo da tecnologia e influenciadores com mais de 100 mil seguidores. 

Em entrevista ao Business Insider, Lee desprezou a necessidade de uma equipe de marketing. “Você pode ter um profissional de marketing de 35 anos que passa o dia nas redes sociais. Por algum motivo, essa pessoa simplesmente não tem o senso viral para criar ganchos que gerem 10 milhões de views”, relatou.

O CEO ainda completou que não pretende contratar mais para nenhum cargo para a empresa. “Só existem dois papéis aqui. Ou você está construindo o produto, ou fazendo ele viralizar”, enfatizou durante um episódio do podcast Sourcery, publicado no último sábado, 21. 

Na cultura organizacional da Cluely, trabalhar muito — ou melhor, viver para trabalhar — é visto como virtude. “Seu trabalho deve ser sua vida, e vice-versa”, diz Lee, que afirma com naturalidade que os funcionários acordam, trabalham o dia todo e dormem no sofá. A rotina, que ele descreve quase com orgulho, é vendida como ideal para o crescimento da startup.

Para Lee, o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho é um “mito”. Ele acredita que a única forma de uma startup ter sucesso é se os funcionários estiverem “totalmente imersos” na construção da empresa. 

Apesar de ser uma fala controversa, Lee garante que seus funcionários fazem jornadas extensas pelo amor ao projeto. “Todo mundo está alinhado com essa loucura”, revelou.

Especialistas criticam a cultura da startup

Para analistas, toda a controversa em torno da Cluely não é à toa. Alison Taylor, professora clínica na Universidade de Nova York e especialista em ensino de ética, sustentabilidade e liderança, afirma que a linha do tempo da startup é um "grotesco descompasso moral". 

Em uma publicação no LinkedIn, Taylor critica a proposta da empresa sobre "trapacear em tudo". 

"Eles iniciam uma campanha agressiva de marketing e anunciam planos de contratar 50 estagiários para postar constantemente no TikTok. Afinal, nada mais legal do que desligar o cérebro, certo?", a especialista questiona.

Taylor usa acidez ao se referir sobre o investimento milionário: "Os investidores-anjo babam. Os grandes investidores também se empolgam. Em junho, a a16z, de Marc Andreessen, injeta US$ 15 milhões na startup, elogiando a “visão ousada” dos fundadores". 

Por fim, a analista reflete sobre quanto a IA pode interferir na maneira de pensar da população e como isso pode impactar a evolução da sociedade a longo prazo. "Enquanto isso, o MIT revela que o uso de IA praticamente destrói a capacidade cognitiva e o pensamento crítico", completa.

A discussão ética e moral sobre o uso de inteligências artificiais não é nova, mas não parece impedir a Cluely de continuar prosperando — ou de mudar seu discurso. 

“Nós estamos apenas começando”, escreveu Lee em uma publicação recente em sua conta no LinkedIn. 

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