Tecnologia

Do 'tijolão' à IA: como a Nokia quer ganhar o mercado depois da crise

Em entrevista à EXAME, Felipe Garcia, diretor de Marketing de Infraestrutura da Nokia, afirmou que "a adaptação está no topo da lista" das estratégias da empresa

Publicado em 4 de novembro de 2025 às 15h41.

Nos anos 2000, a Nokia era febre. O "tijolão" da marca, conhecido por sua resistência, se tornou sinônimo de qualidade e inovação.

À época, os aparelhos da Nokia com toques personalizados, durabilidade invejável e o famoso jogo da cobrinha, dominavam o mercado global de celulares com mais de 50% das vendas mundiais.

Com o lançamento do iPhone em 2007, a Nokia viu sua hegemonia começar a ruir. A falta de adaptação à nova era dos smartphones, com sistemas operacionais modernos e telas sensíveis ao toque, fez com que a gigante finlandesa caísse em desgraça. Em menos de uma década, a Nokia foi vendida para a Microsoft por US$ 7,2 bilhões, o que encerrou sua trajetória como líder de mercado. Pelo menos no segmento de celulares.

Mas a história da Nokia não terminou aí.

Em entrevista exclusiva à EXAME, Felipe Garcia, diretor de Marketing de Infraestrutura de Redes para Brasil e Cone Sul da Nokia, afirmou que "a adaptação está no topo da lista" das estratégias adotadas pela empresa para se manter relevante no mercado.

Hoje, a empresa busca se reinventar mais uma vez. Após deixar o mercado de consumo e focar em soluções B2B (Business to Business), a Nokia se consolidou como líder em tecnologia de infraestrutura de telecomunicações. E, agora, ganha impulso com a inteligência artificial (IA).

E, o que antes era uma gigante do mercado de celulares, agora é um dos maiores nomes em redes móveis, 5G e soluções para data centers, área que tem experimentado um crescimento exponencial nos últimos anos.

A estratégia de adaptação da Nokia

Com 160 anos de história, a Nokia sabe que a adaptação é essencial para se manter relevante no mercado.

A empresa, que começou como produtora de papel e cabos, passou por inúmeras transformações ao longo das décadas, se reinventando diversas vezes para atender às demandas tecnológicas.

"O momento dos telefones celulares foi um dos momentos da empresa ao longo de um processo de reinvenção, de produtora de papel a criadora de chips fotônicos, roteadores e switches de alta capacidade e uma multitude de software de gestão de redes", diz Garcia. "Essa capacidade de reinvenção não é nova para nós."

Nos últimos anos, a Nokia focou sua estratégia no setor de data centers e IA — áreas de peso para apostar em 2025.

Com a crescente demanda por inteligência artificial e computação em nuvem, a Nokia afirma estar posicionada de forma única para fornecer as soluções tecnológicas necessárias para suportar essas transições.

"Enxergamos o mercado de conectividade para data centers como prioridade. Com a crescente demanda por processamento de dados, computação em nuvem e avanço da inteligência artificial, os datacenters vêm se tornando cada vez mais fundamentais para a economia digital — e esse cenário aumenta a necessidade por redes ópticas de baixíssima latência e alta velocidade, além de requirirem do sistema de rede como um todo, soluções cada vez mais avançadas para a segurança e automação", afirma.

Nokia: empresa investe em soluções para redes inteligentes com foco em segurança, IA e sustentabilidade (Nokia/Divulgação)

A empresa também está em um ciclo de crescimento impulsionado pelo chamado "superciclo da IA", que está gerando uma forte demanda por infraestruturas de rede confiáveis e de alta capacidade.

"A IA demanda uma infraestrutura de rede completamente nova, com requisitos únicos de conectividade, velocidade e confiabilidade. Nossa expertise em redes avançadas nos coloca em uma posição privilegiada para fornecer as soluções tecnológicas que tornarão possível essa transformação", diz.

A aposta parece estar dando certo. No terceiro trimestre deste ano, a Nokia registrou um lucro operacional de 435 milhões de euros, superando as expectativas do mercado.

As vendas líquidas do grupo cresceram 12%, alcançando 4,83 bilhões de euros, ultrapassando as previsões de 4,6 bilhões de euros.

O crescimento, segundo a companhia, foi impulsionado justamente pela forte demanda por redes ópticas e serviços em nuvem, com destaque para as vendas focadas em IA e data centers, que agora representam 6% das vendas totais do grupo e 14% das vendas de infraestrutura de rede.

A Nokia também revisou para cima suas previsões de lucro operacional anual, agora estimando entre 1,7 bilhões e 2,2 bilhões de euros, com uma ligeira atualização nas expectativas para o segundo semestre de 2025.

De acordo com a análise da Morningstar, empresa provedora independente de dados e análise de investimentos, a Nokia tem mantido sua avaliação fair value em 5,10 euros, e a classificação de incerteza foi ajustada para "média".

A análise também destaca que, apesar de um desempenho misto em algumas regiões, a Nokia continua a mostrar sinais de resiliência e inovação, com perspectivas positivas para o longo prazo.

O Brasil no centro

O Brasil se tornou um mercado estratégico para a Nokia, especialmente no setor de data centers.

Segundo Garcia, o país se consolidou como o principal hub de data centers na América Latina, e as vantagens competitivas, como a geração de energia renovável, são essenciais para o crescimento desse setor.

"Estamos observando uma demanda exponencial por conectividade, alimentada principalmente pela inteligência artificial e pela expansão da computação em nuvem. O país se consolidou como o principal hub de data centers na América Latina, posicionando-se para manter essa liderança regional impulsionado não apenas pela crescente necessidade local", afirma.

A demanda por soluções de conectividade mais avançadas, principalmente por parte dos provedores de serviços de internet (Internet Service Provider, ISPs, na sigla em inglês), de acordo com Garcia, também coloca a Nokia em uma posição privilegiada para oferecer tecnologia de ponta.

Felipe Garcia, da Nokia

Felipe Garcia, Diretor de Marketing de Infraestrutura de Redes para Brasil e Cone Sul

"Estes provedores passam agora por um momento de consolidação setorial, com maior necessidade por infraestruturas de rede mais avançadas e eficientes. Diversos desses operadores estão expandindo suas operações e implementando novas tecnologias, demandando modernização de suas plataformas para assegurar excelência operacional e vantagem competitiva em meio aos possíveis movimentos de consolidação do setor", diz.

Segundo Garcia, a estratégia da Nokia no Brasil é baseada em parcerias locais.

"A estratégia comercial por parcerias locais é fundamental para nossa presença no Brasil. Nossa rede de parceiros estratégicos permite que as tecnologias Nokia alcancem mais segmentos de mercado", diz Garcia.

O executivo afirma que empresa tem feito parcerias com grandes nomes como Lightera, Lenovo, DPR Telecomunicações, WDC Networks, Fibracem, Q13, Arsitec e Venko, o que tem permitido à Nokia expandir significativamente sua presença no país.

A abordagem de distribuição, segundo ele, tem sido fundamental para diversificar o portfólio de clientes da empresa e fortalecer os relacionamentos estratégicos com parceiros tradicionais, como as operadoras de telecomunicações.

O efeito 'tarifaço'

O cenário tarifário global, especialmente com o tarifaço do presidente dos EUA, Donald Trump, tem sido um desafio para várias empresas — e a Nokia não escapou ilesa.

No último balanço financeiro da companhia, a Nokia mencionou que as tarifas, junto à desaceleração do mercado e a flutuação do dólar, afetaram seu desempenho neste ano. A empresa chegou a emitir um alerta de lucro em julho, antecipando um impacto negativo em seus negócios devido a esses fatores externos.

"A situação tarifária pode gerar disrupções de curto prazo, mas estamos comprometidos em utilizar a flexibilidade de nossa rede global de manufatura para mitigar o impacto do cenário tarifário em constante evolução", diz Garcia. Segundo ele, a "Nokia trabalha para garantir que nossos impactos sejam minimizados e nossa operação continue estável."

Garcia também ressaltou que a Nokia está posicionada para navegar por esses desafios com o auxílio de suas parcerias locais e com a flexibilidade de sua rede de manufatura global.

Acompanhe tudo sobre:NokiaSmartphonesInteligência artificial

Mais de Tecnologia

Uber cresce 20% e fatura US$ 13,5 bi no trimestre, mas lucro é afetado por provisão legal

Nintendo amplia previsão de vendas do Switch 2 para 19 milhões de unidades

Apple atualiza sistema operacional para versão 26.1; veja o que muda

GM anuncia piloto automático que permitirá tirar os olhos da estrada