Tecnologia

O xeque-mate de Steve Jobs: como guerra por talentos no Vale do Silício virou partida estratégica

Tabuleiro de xadrez do setor de tecnologia, em 2025, enfrenta uma situação que, há 20 anos, Steve Jobs teria considerado um xeque-mate iminente

Steve Jobs: há 20 anos, CEO da Apple resolveu a guerra de talentos que dominava o Vale do Silício  (David Paul Morris / Correspondente autônomo/Getty Images)

Steve Jobs: há 20 anos, CEO da Apple resolveu a guerra de talentos que dominava o Vale do Silício (David Paul Morris / Correspondente autônomo/Getty Images)

Publicado em 8 de julho de 2025 às 05h01.

O tabuleiro de xadrez do setor de tecnologia está passando, em 2025, por uma situação que há 20 anos Steve Jobs consideraria um xeque-mate. Para o fundador da Apple (AAPL), a guerra de talentos no setor de tecnologia precisava ser justa. Jobs acreditava que o recrutamento deveria ser tratado com uma política de respeito mútuo, mas também com uma postura protetiva e implacável em relação ao talento da Apple. Ele via qualquer tentativa de "poaching" (recrutamento não autorizado) de seus melhores profissionais como uma afronta direta à integridade de sua empresa.

Em 2005, Jobs fez uma ameaça direta ao Google sobre o recrutamento de funcionários da Apple, especialmente de sua equipe responsável pelo iPhone. Em um famoso e-mail enviado a Sergey Brin, cofundador do Google, Jobs declarou: “Se você contratar um único desses funcionários, isso significa guerra.”

A proteção de Jobs aos seus talentos não era unicamente em relação ao Google. À época, o fundador da Apple enviou um e-mail para Bruce Chizen, então CEO da Adobe, em 2005.  "A Adobe está recrutando da Apple. Eles já contrataram uma pessoa e estão chamando muitas outras. Tenho uma política com nossos recrutadores de que não recrutamos da Adobe. Parece que vocês têm uma política diferente. Um de nós precisa mudar a sua política. Por favor, me avise quem", escreveu.

E Jobs não estava blefando.

Em resposta, Brin afirmou ter ficado surpreso com a ameaça de Jobs, descrevendo a ligação dele como "enfurecida". Brin informou a equipe executiva do Google sobre a frase do magnata, mencionando que não acreditava que a raiva de Jobs deveria ditar a estratégia de recrutamento do Google, mas que era importante manter todos informados sobre a gravidade da situação. Apesar de sua resistência inicial, Brin e os executivos do Google acabaram decidindo interromper o recrutamento de funcionários da Apple sem permissão explícita. E-mails internos mostraram que, após várias pressões de Jobs, o Google concordou em não recrutar mais membros da equipe do Safari, principalmente para evitar uma escalada do conflito.

Do lado da Adobe, Chizen inicialmente tentou se defender, explicando que a empresa estava recrutando principalmente funcionários juniores, e não membros de alto escalão da Apple. Em sua resposta ao e-mail de Jobs, Chizen tentou suavizar a situação, dizendo que as tentativas de recrutamento eram focadas em níveis mais baixos da empresa. Chizen também propôs uma solução de compromisso, sugerindo uma política mútua de não recrutamento entre as duas empresas. "Eu prefiro que concordemos em não recrutar ativamente de qualquer empresa... Se você concordar, farei com que minha equipe saiba", escreveu ele, buscando evitar mais tensão. No entanto, em última instância, Chizen cedeu à pressão de Jobs, e a Adobe adotou a política de não recrutar ativamente da Apple. 

Ambos os líderes, Brin e Chizen, inicialmente resistiram às demandas de Jobs, mas acabaram optando por evitar um confronto direto, reforçando a cultura de “não poaching” que dominava o Vale do Silício na época. A postura de Jobs não só impactou a forma como ele lidava com o recrutamento na Apple, mas também ajudou a moldar as práticas de contratação e recrutamento em toda a indústria de tecnologia, onde a proteção de talentos tornou-se uma prioridade estratégica. Até agora.

O Vale do Silício como campo de batalha

Em 2025, o cenário da guerra por talentos tomou uma nova dimensão. A inteligência artificial (IA) se transformou no novo campo de batalha, e as empresas estão disputando com força (e milhões) a atração dos melhores profissionais.

A Meta, por exemplo, intensificou suas estratégias de recrutamento de talentos com foco na inteligência artificial, buscando não apenas especialistas individuais, mas também grandes grupos de pesquisa e até mesmo empresas que lideram as inovações no campo da IA. A gigante de tecnologia, sob a liderança de Mark Zuckerberg, se comprometeu a investir pesadamente em IA, reconhecendo que essa tecnologia será a chave para o futuro da empresa e sua capacidade de competir com outras grandes corporações, como o Google e a OpenAI.

Nos últimos meses, a Meta fez movimentos ousados, adquirindo empresas e atraindo grandes nomes da indústria de IA. Um dos exemplos mais notáveis foi a compra da Scale AI, uma das startups mais promissoras no campo de IA e aprendizado de máquina, por impressionantes US$ 14,3 bilhões. A aquisição não apenas garantiu a tecnologia de ponta que a Scale AI desenvolveu, mas também trouxe consigo uma equipe de pesquisadores e engenheiros altamente qualificados que agora lideram a pesquisa de superinteligência na Meta. O movimento é um reflexo claro da nova estratégia da Meta de garantir um controle mais forte sobre as inovações em IA, consolidando seu poder no mercado e ampliando sua capacidade de criar soluções avançadas para seus produtos, como o Facebook e o Instagram.

A Meta também tem sido ativa na atração de profissionais de destaque de outras empresas de IA, incluindo OpenAI e DeepMind, ambos líderes na pesquisa e no desenvolvimento de modelos de IA generativa. A empresa fez ofertas agressivas de pacotes financeiros e supostos bônus de US$ 100 milhões para garantir que esses talentos, responsáveis por algumas das inovações mais importantes na área de IA, se unissem à Meta.

Para a OpenAI, a situação é particurlamente complicada. “Eu sinto uma sensação visceral agora, como se alguém tivesse invadido nossa casa e roubado algo,” escreveu o chefe de pesquisa da OpenAI, Mark Chen, em um memorando obtido pela Wired.

Mas o CEO da dona do ChatGPT, Sam Altman, embora extremamente competitivo, sabe que não vale a pena tentar fazer o que Jobs fez, impedindo que as empresas recriem seus talentos por meio de acordos secretos nos bastidores, segundo Dave Lee, colunista da Bloomberg, já que "a opção para engenheiros de IA talentosos não está restrita apenas às maiores empresas".

Nas trincheiras pela IA

A guerra por talentos em IA em 2025 não é apenas uma questão de quem contrata melhor, mas de quem pode pagar mais. Com as ofertas salariais atingindo os valores mais altos já vistos, a competição entre empresas se transforma em um jogo financeiro. Pacotes que incluem salários elevados, bônus de assinatura de milhões de dólares e participação em ações estão atraindo os melhores cientistas e engenheiros da IA. Em alguns casos, os salários oferecidos são mais elevados do que os de CEOs de grandes corporações.

Essas ofertas são acompanhadas por um movimento de aquisição de empresas inteiras, como o caso da Meta com a Scale AI, o que não apenas garante o talento, mas também o controle sobre a infraestrutura e as inovações que esses profissionais estão criando. Mas, mesmo com essas ofertas atraentes, a retenção continua sendo um grande desafio. A Meta viu sua taxa de retenção de IA cair para 64% no ano passado, segundo o relatório SignalFire State of Tech Talent Report 2025, e muitas empresas lutam para manter seus talentos por longos períodos.

O que Jobs percebeu em sua época, e o que ainda é verdade hoje, é que, embora as ofertas financeiras sejam importantes, a lealdade e o compromisso com a missão de uma empresa são fundamentais para garantir que o talento não apenas entre, mas se mantenha comprometido com o sucesso de longo prazo.

“A verdadeira questão para mim é: eles vão se apaixonar pela Apple? Porque se eles se apaixonarem pela Apple, todo o resto se resolverá sozinho. Eles vão querer fazer o que é melhor para a Apple, não o que é melhor para eles, para o Steve ou para qualquer outra pessoa", disse ele em entrevista à Fortune em 2008.

Acompanhe tudo sobre:AppleSteve JobsiPhonecarreira-e-salariosInteligência artificial

Mais de Tecnologia

O que a ciência realmente diz sobre os hábitos de quem tem sucesso na carreira

Escolhas difíceis? Antes de decidir, Elon Musk consulta o X — literalmente

TikTok prepara app só para usuários americanos para evitar ser banido nos EUA

Apple saiu da pista, Xiaomi disparou: 200 mil carros vendidos em 3 minutos